Saltar para o conteúdo principal da página
Património Cultural

Jardins da Cultura

Introdução

As atuais preocupações ambientalistas têm enaltecido as componentes vivas dos jardins, preterindo as construídas e dificultando o reconhecimento dos valores culturais que estes encerram. São muitas vezes compreendidos como redutos da Natureza ou meros espaços de enquadramento, deleite e recreio, ignorando-se os respetivos atributos históricos, conceptuais, científicos e técnicos. A visita informada aos jardins geridos pela DGPC, integrados em doze monumentos e museus, revela-se como uma oportunidade para ultrapassar estas lacunas. Assume-se, também, como contributo para a compreensão da fragilidade destas composições modeladas, construídas, plantadas e semeadas, sujeitas a dinâmicas complexas e mutáveis. Esta amostra, representativa dos jardins nacionais correntemente designados como «históricos», abrange cronologias dos princípios do primeiro milénio ao presente nos seguintes imóveis: Ruínas de Conimbriga, classificadas como monumento nacional e afetas ao Museu Monográfico; quatro conjuntos monásticos classificados como monumento nacional e inscritos na lista do património mundial da UNESCO, o Convento de Cristo em Tomar, os Mosteiros de Alcobaça, da Batalha e dos Jerónimos em Lisboa; Convento da Madre de Deus também na capital, cuja igreja está classificada como monumento nacional e que alberga o Museu Nacional do Azulejo; três imóveis lisboetas classificados pelo interesse público, o palácio dos condes de Alvor identificado como Museu Nacional de Arte Antiga, o Palácio e o Parque do Monteiro-Mor, no qual se encontram instalados o Museu Nacional do Teatro e da Dança e o Museu Nacional do Traje, o Jardim das Damas localizado a norte do Palácio Nacional da Ajuda; o palácio dos Carrancas que alberga o Museu Nacional Soares dos Reis no Porto; a Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves ou Casa Malhoa e o Museu Nacional de Arte Contemporânea ou Museu do Chiado, integrado no Convento de São Francisco da Cidade, de igual forma reconhecidos pelo interesse público e ambos em Lisboa. De momento, não inclui outros espaços exteriores pela ausência de informação, inexistência de elementos de origem ou irrelevância da intervenção no âmbito da História da Arte dos Jardins, sejam: os pátios ou claustros do Museu Nacional Grão Vasco, instalado no velho Paço dos Três Escalões e objeto de projeto do arquiteto Eduardo Souto Moura; o terreiro ou pátio atualmente relvado do Museu Nacional Machado de Castro, antigo paço episcopal, reformulado pelo arquiteto  Gonçalo Byrne; os pequenos claustros norte e sul do Palácio Nacional de Mafra que vieram a ser ajardinados por meados do séc. XX sob a orientação do engenheiro Segismundo da Câmara Saldanha, diretor da Tapada Nacional.

Percursos e Distâncias entre jardins

Mapa

Critérios

Os jardins

Numa cidade romana: Nas ruínas da cidade romana de Conimbriga subsistem vestígios de jardins em peristilos ou no tardoz das grandes casas. Documentam opções estéticas e soluções hidráulicas sofisticadas, denunciam períodos de crescimento, estabilidade, regressão e até de abandono em contextos políticos, sociais, económicos e ambientais críticos. 


Dos conventos e mosteiros: No Convento de Cristo adivinha-se também a história nas vertentes escarpadas do castelo templário datado de 1160, na praça de armas dos cavaleiros professos da Ordem de Cristo, nos restos da povoação medieval dispersos por jardins e pomares, nos claustros lajeados, na cerca contextualizada pela reforma da ordem e clausura dos freires, nas fontes alimentadas pelo aqueduto e na «Horta dos Frades» onde sobrevive uma araucária. 
Em Alcobaça não se deve restringir a atenção ao mosteiro, velho de oito séculos e aos respetivos claustros, dos quais se destaca o do Cardeal, atravessado por uma derivação do rio Alcoa. Urge percorrer a cerca e tirar ilações quanto à complexidade do monumento, infraestruturas e envolvente rural. Revela-se aliciante confrontar as descrições do passado com os vestígios dos jardins das Murtas e do Obelisco, obras setecentistas de inspiração mais áulica que religiosa, surpreendentes pela originalidade e dimensões. 
Da antiga cerca do Mosteiro da Batalha, voto de reconhecimento pela vitória nos Campos de S. Jorge, pouco subsiste. No edifício restam as quadras dos claustros góticos, plantadas e ornamentadas pelos séculos XIX e XX, segundo critérios intervencionistas de época. 
Estas intervenções nem sempre se revelaram consentâneas com funções pretéritas e vivências originais, contudo devem ser compreendidas como parte da história do monumento. 
Muitos dos conjuntos monásticos foram sujeitos a vicissitudes: inundações; sismos; ciclones; incêndios; invasões, saques e destruições; extinção das ordens religiosas, secularização e incorporação de bens na Fazenda Nacional; fragmentação de imóveis, aquisição por privados e afetação a instituições diversas; abandono e demolição. 
O Mosteiro dos Jerónimos não foi exceção. Da cerca pouco subsiste e de momento apenas se pode apelar à imaginação para recriar o jardim construído a instâncias do Cardeal D. Henrique no claustro, atualmente relvado e ensaibrado. 
Convém não esquecer o convento da Madre de Deus, que alberga o Museu Nacional do Azulejo. Compreende dois claustros quinhentistas, sobressaindo o ajardinado por centrado por uma fonte onde se descobrem enigmáticas inscrições em filacteras. 

Nas quintas de recreio: Da união das quintas de recreio do Monteiro-Mor e dos Marqueses de Angeja ao Lumiar resultou o Parque do Monteiro-Mor, onde se encontra o Museu Nacional do Teatro e da Dança e o Museu Nacional do Traje. No parque, dirigido por botânicos famosos como Welwitsh, desvela-se o jardim barroco do 3.º marquês, dissimulado pela composição romântica do 2.º Duque de Palmela. Integra uma notável coleção de árvores e arbustos, na qual se distingue pelo porte uma araucária e dois plátanos gigantescos. Muitas palmeiras, isoladas ou em alinhamento, foram afetadas pelo escaravelho vermelho, praga dificilmente controlável que tem lesado profundamente o património paisagístico nacional. 

De reis e rainhas: O Museu Nacional de Arte Antiga está instalado no palácio dos condes de Alvor, iniciado por 1698. No jardim, utilizado por D. Amélia Napoleona, imperatriz viúva do Brasil, subsistem testemunhos da estrutura barroca e de alterações oitocentistas de feição romântica que despertam a curiosidade. De dimensões generosas e implantação altaneira, abre-se como um miradouro sobre o Tejo. 
A construção do Jardim das Damas é posterior, remetendo documentos de época para finais do séc. XVIII. O pequeno jardim, localizado a norte do Palácio Nacional da Ajuda, fez parte do complexo designado como «Real Barraca», edifício precário construído para albergar a Família Real após o Terramoto de 1755. Destinava-se a recreio das senhoras da corte de D. Maria I. Isolado por muros, integra um conjunto de peças de água, jaulas e um mirante. Teme-se que num futuro próximo, a contaminação dos buxos das sebes e dos restantes elementos de topiária por fungos possa comprometer a sua integridade. 
Segue-se o Palácio dos Carrancas, atualmente ocupado pelo Museu Nacional Soares dos Reis. Foi utilizado como residência da família real aquando das deslocações ao Porto a partir de 1840. Nos seus jardins que se estendem pela antiga Quinta do Paço construiu-se o 2.º velódromo do país por disponibilidade de D. Carlos que sempre acompanhou as tendências europeias e as novidades tecnológicas. 

Das avenidas novas: O jardim da Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves insere-se numa das tipologias urbanas que marcaram a Lisboa burguesa de finais do século XIX e inícios do XX. As suas pequenas dimensões, adequadas a novas formas vivenciais e justificadas mais pelos loteamentos e pela especulação imobiliária do que pelo conforto dos «boulevards» e jardins públicos projetados, não lhe retiraram o encanto das descrições de Ramalho Ortigão na revista Os Serões Contemporâneos. 


De finais do século XX: por fim o último jardim... o Jardim das Esculturas no Museu Nacional de Arte Contemporânea, obra com duas décadas que não se reduz a um simples exercício gráfico ou a uma mera manipulação arquitetónica e que de forma depurada absorve e reinterpreta o jardim privado e recôndito de Lisboa antiga.


Textos: Mário Fortes/DPIMI/DGPC/2016
Coordenação: Deolinda Folgado/DPIMI/DGPC/2016
Agradecimentos: Ana Rita Basto