Apontamentos para a História da CR em Portugal
A preservação do Património é uma das mais nobres missões cometidas às sociedades contemporâneas. Conservando o legado e as manifestações do pensamento criativo produzidos nas mais diversas épocas e recorrendo aos mais distintos suportes, as comunidades mantêm vivos os elos com o passado e (re)elaboram permanentemente a sua identidade colectiva. Estas preocupações têm já um longo historial, mas é no século XX que encontram consagração a nível oficial e se estruturam em termos científicos, dando corpo a uma nova disciplina, a Conservação-restauro.
É com a institucionalização dos primeiros museus – em 1840 o Museu Portuense, actualmente Museu Nacional Soares dos Reis, e, em 1884, o Museu Nacional de Belas Artes, posteriormente Museu Nacional de Arte Antiga – que a preocupação com a situação de degradação que as obras de arte neles recolhidas (transferidas das extintas ordens religiosas) começa a ser verberada por vozes como a de Manuel Macedo (1885)
Os primeiros restauros e os contributos da Ciência (1890 - 1936)
Em 1890-91, o pintor Manuel de Moura restaura o painel “Fons Vitae”, da Misericórdia do Porto, tendo a precaução de fazer fotografar a obra antes da intervenção. Em 1909 inicia-se o trabalho de recuperação dos painéis atribuídos a Nuno Gonçalves, a cargo do pintor Luciano Freire, tendo a intervenção sido precedida dum registo fotográfico da obra. Os trabalhos são acompanhados pelo então Director do Museu das Janelas Verdes, José de Figueiredo. O trabalho é apresentado em 1910, ano em que é criada a Comissão de Inventário e Beneficiação da Pintura Antiga em Portugal, constituída por Ramalho Ortigão, Manuel de Macedo, Luciano Freire, José de Figueiredo e D. José Pessanha.
Em 1911, José de Figueiredo instala uma oficina de restauro no Museu Nacional de Arte Antiga, convidando Luciano Freire para se ocupar da beneficiação e restauro das obras de arte do Museu.
A partir de 1923, o pintor Carlos Bonvalot, conservador do Museu Conde Castro Guimarães, inicia o restauro de quatro painéis da igreja matriz de Cascais. O relatório da intervenção que envia ao Museu Nacional de Arte Antiga, em 1933, constituiu-se como um documento relevante na história do restauro em Portugal porque assinala a passagem de uma intervenção baseada na intuição e mestria técnica dos pintores para uma abordagem mais científica, sustentando enfaticamente que o restaurador terá que “basear as opiniões formuladas em dados incontestáveis fornecidos pela ciência”.
No Porto, em 1934, Luís Reis Santos inicia os estudos de pintura antiga recorrendo à radiografia, luz rasante e raios infra-vermelhos, com o apoio dos médicos radiologistas Drs. Pedro Vitorino e Roberto Carvalho. Carlos Bonvalot irá também recorrer à radiografia e a análises físicas e químicas com o apoio do Dr. Luis Quintela e do Prof. Herculano de Carvalho, do Instituto Superior Técnico de Lisboa.
Do atelier de restauro do MNAA ao IJF (1936 - 1965)
Em 1936, já por impulso do Dr. João Couto (que um ano depois assume a direcção do MNAA) e com o apoio do físico Prof. Manuel Valadares, o atelier de restauro do MNAA é enriquecido com equipamento laboratorial, nomeadamente uma ampola de RX, criando as condições materiais para um salto de qualidade na análise material das obras de arte, passando a ser conhecido como “Laboratório para o Exame das Obras de Arte”.
Entretanto, a oficina de restauro de pintura antiga, durante anos dirigida pelo pintor Luciano Freire, e cujo trabalho seria prosseguido por Fernando Mardel, funcionava em dependências do Convento de S. Francisco, no Largo da Biblioteca. João Couto entendeu que este afastamento físico do Museu e a necessidade de se dispor de espaços adequados para o estudo e intervenção, assim como a formação de futuros colaboradores, exigiam a construção de raiz de um edifício dedicado exclusivamente às oficinas e laboratórios de restauro.
Com base nos planos e na concepção de José de Figueiredo, Manuel Valadares, João Couto e Fernando Mardel, o arquitecto Guilherme Rebelo de Andrade desenhou aquela que deveria ser a casa do Instituto para Exame e Restauro de Obras de Arte, que mais tarde se viria a designar como Instituto José de Figueiredo. As obras iniciaram-se em 1938 e terminaram em 1940. Para João Couto, tinha-se instalado um “Instituto de Restauro em casa própria, num edifício especialmente para esse fim, caso único no mundo”. Tendo sido previsto que este edifício albergasse apenas o laboratório e as oficinas de pintura, viria mais tarde a alargar as suas valências às áreas de mobiliário, têxteis, arquivo e documentação.
Os contactos internacionais que se vão desenvolvendo com outros conservadores e restauradores no quadro da UNESCO e do ICOM favoreceram a troca de experiências e abriram novos horizontes de trabalho, afirmando os técnicos portugueses entre os seus congéneres europeus.
O IJF – Instituto de José de Figueiredo (1965 - 2000)
Já na década de 60, por impulso do conservador e pintor Abel de Moura (que, em 1951, João Couto tinha chamado para a oficina de pintura), as oficinas de conservação e restauro e os laboratórios fotográfico, de física e química emancipam-se da tutela do Museu Nacional de Arte Antiga e constituem o Instituto de José de Figueiredo (Dec-Lei 46 758, de 18 de Dezembro de 1965). Em 1980 (Dec-Lei 383/80, de 19 de Setembro), o IJF vê actualizadas as suas competências e definido o seu quadro de pessoal. Entre as atribuições do Instituto, destacam-se:
a) Proceder à conservação e restauro de bens culturais móveis, quer na posse do Estado, autarquias locais e entidades subsidiadas pelo Estado, quer na posse de particulares;
b) Assegurar a investigação e a aplicação das técnicas de conservação e restauro;
c) Promover, fomentar e assegurar o ensino e a difusão das técnicas de conservação e restauro, cabendo-lhe a formação profissional do pessoal das carreiras de conservação e restauro do País.”
Sendo a única instituição estatal especializada na conservação e restauro do património móvel e integrado, o Instituto dirigiu e participou em campanhas de trabalho em todo o País, promovendo o levantamento do estado de conservação de retábulos, pinturas integradas em tectos, pintura mural, grupos escultóricos e cadeirais, peças de mobiliário e têxteis, analisando as condições ambientais e sugerindo medidas de conservação preventiva, intervindo nas peças que apresentavam maior risco de degradação.
No último quartel do século XX, a actividade do Instituto em prol da conservação e restauro foi crescendo em intensidade e impacto nacional, estruturando distintos campos de actuação, diversificando as suas metodologias de trabalho e tecendo relações cada vez mais estreitas com outras áreas das ciências humanas e exactas. Para responder a estes desafios tornou-se manifesta a necessidade de um salto de qualidade, uma estruturação distinta, novas e maiores competências e uma maior autonomia administrativa e financeira.
O IPCR – Instituto Português de Conservação e Restauro (2000 - 2007)
Com a criação, em 1 de Janeiro de 2000, do Instituto Português de Conservação e Restauro (Decreto-Lei n.º 342/99, de 25 de Agosto), o Ministério da Cultura visava cumprir dois objectivos fundamentais. Por um lado, incentivar a investigação e experimentação nos campos dos materiais e das técnicas de produção artística, atribuindo ao IPCR responsabilidades no apoio científico e técnico a entidades públicas e privadas dedicadas à prática e ao ensino da conservação e do restauro. Por outro lado, estabelecendo que este organismo especializado na preservação do património cultural deveria assegurar as responsabilidades do Estado no domínio da conservação e restauro dos bens culturais móveis e integrados de reconhecido valor histórico, artístico, técnico e científico.
O Departamento de Conservação e Restauro e Departamento de Estudos de Materiais no Instituto dos Museus e da Conservação (2007-2012)
A criação do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) – aprovada pelo Decreto-Lei 97/2007, de 31 de Março – assinala a fusão do Instituto Português de Museus (IPM) com o Instituto Português de Conservação e Restauro (IPCR). A junção, num mesmo instituto, de competências na área dos museus e na área da conservação e restauro do património cultural móvel, resulta da necessidade de concentrar serviços, mas, simultaneamente, da vontade de dar condições ao IMC para que, de forma crescente e progressiva, se vá afirmando cada vez mais como um serviço de referência, normativo e regulador, difusor de boas práticas e novas metodologias, em ambas as áreas.
No que diz respeito à conservação e restauro, o Instituto dos Museus e da Conservação tem como principais atribuições:
- Contribuir para a definição e afirmação de uma ética de preservação activa do património cultural móvel;
- Intervir directamente sobre bens culturais classificados como de interesse público e nacional;
- Supervisionar tecnicamente na preservação dos bens culturais de especial relevância artística, histórica e/ou técnica, propriedade dos museus e de outras entidades;
O IMC manterá competências de supervisão sobre a actividade privada nesta área.
Orgânica do IMC
Estatutos do IMC
Direção-Geral do Património Cultural
O Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) IP foi objecto de fusão com o IGESPAR IP e com a Direção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo, da qual resultou a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC); a orgânica da DGPC está fundamentada no Decreto-Lei Nº115/2012
Orgânica da Direção Geral do Património Cultural